quarta-feira, 25 de maio de 2011

Sagradas labaredas.


Festa do divino.
Não era Europa, era Sertão.
Eu decorava o hino.
E seguia a procissão.

Quarenta graus no cortejo.
Entre anáguas e filós.
Ironia de Deus em nossas moleiras mal fechadas.
Nem pecado eu tinha direito e o sol já me castigava.

Pelourinho itinerante a me vestir.
O pezinho apertado dentro do sapato.
Subia e descia as ladeiras quase chorando, quase sorrindo
Faixas de panos e paus em dizeres proféticos.
Quase poéticos; diria patéticos.

Eu ficava no meio,
Os mais brancos e ricos na frente,
Os mais pretos e pobres atrás.
Todos em louvor.
Sem entender a mentira, ou mentindo sem entender.

Cabelos domados,
Pés latejando, beatas cantando, procissão seguindo.
O sol enfurecido sob as nossas cabeças.
As lágrimas caindo.

Entre fotografias e insolações.
Não sei o que doía mais em mim.
“Você já viu anjo preto?”
Era ruim ser mulher, era ruim ser preto, era ruim ser pobre.

Mas, Mãe...
Não era o vestido.
Nem a faixa.
Nem o hino.
Nem eu.

Tortura divina.
Olhos que jamais se enxugariam.
Não é raiva de ti.
É saudade dos meus cachinhos.
E da pomba branca que sempre cagava na saída.

terça-feira, 24 de maio de 2011

INDELÉVEL



INDELÉVEL

Um ônibus antigo

- gabine de caminhão -

que Onofre dirigia,

levava-me para longe;

e eu seria motorista!

Do alto de seu trator

- uma Patrol reluzente -

o homem pediu-me água.

Fomos pra traz e pra frente.

Eu seria patroleiro!

Um meu padrinho fez pontes

- também máquinas e casas -

e meus pais, por não ter nada,

queriam algo de seu;

então seria engenheiro!

No passar de tanto tempo

- e o tempo passa depressa -

quis ser médico, doutor,

cientista, professor,

e um pouco de cada coisa.

Nos retratos que me fiz

- e ainda me faço agora -

me transformo, hora-a-hora,

neste espelho diferente

que mostra o sonho da gente.

Eu sou reflorestador

- de planos, não de sementes -

já fui galã, fui cantor,

e por ser um sonhador,

serei poeta pra sempre!

Jaime Wanner

sexta-feira, 13 de maio de 2011

o casal

lindo

esposa

mãos dadas

marido


graça

passeiam

serenos

a praça


carinhos

sorrindo

amando

velhinhos


mais

saudades

guerrilhas

paz

...

Boi Cenário. Coincidências à parte.

Padecia de um grande mal
Achava-se rei
Mas de leão não tinha nem a juba

Subia no casco para rugir e mugia
Mugia moralidade quando se sabia precisar de ética
Sem fome, comeu de um capim azul porque o mandaram.

Dizia representar os bezerros, mas não os ouvia.
Quando jovem aprendera a marchar
E nunca mais trotou.

Chiste da vida com os bichos da raça
Queria que o resto do gado marcha-se também.
Posa de leão, mas nem é digno da bovinidade.

Parou no tempo em que puchavam carroças
Em que se acreditava no amor do castigo
E nas farpas da conformação

Pobre Cenário
Não viu a revolução
No lugar das patas vê mãos.

É um cavalo
Preza a guerra, torturaria os potros
Delira em seu pasto precário

Tá explicado
Comeu do capim estragado
Ou diz fazer política em nome do respeito, da família, da segurança e da ordem pública em algum lugar no Brasil.

                                                                        Ana Míria Carinhanha

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Desenredo

Num burgo antigo do medievo.
Colheu flores e promessas.
Fez a barba, saiu cedo.
E desceu a ladeira com pressa.


Fez sorrir os lábios secos.
Das donzelas mais recalcadas.
Levou muitas para os becos.
Deixando-as bem ouriçadas.


Vestiu terno branco de linho
Despertou muitas paixões
E entre os copos de vinho
Colecionava corações.


Nem vassalo nem suserano
Fundou sua própria cidade
Não estava nos seus planos
Relegar a mocidade


Garanhão, quem por ti zela?
Findou sujo e sem carinho
Deixou raparigas e donzelas
Chorando pelo caminho
 

Fez sucesso o varão
Das vielas mais assombrosas.
Mas restou-lhe a solidão
Não o acompanharam nem as mais fogosas.

                                                                          Ana Míria Carinhanha

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Milênio

Milênio tem sete anos, raquítico menino de olhar faminto, ziguezagueia descalço pelas ruelas com suas perebas expostas. Com a mão na arraia perambula pegando picula pula, pula,pula... caiu. Milênio da rua, num mundo buraco, perdido restou.

sábado, 7 de maio de 2011

Marcada no papel

Escrevo porque tenho mais do que palavras.
Tenho um frio de esperança no peito,
Uma lágrima guardada na pálpebra,
E um desejo incontrolável de sonhar, e de ser.

Eu tenho as unhas fracas mas os dedos firmes.
Desenho a palavra para que fique lá,
Marcado no papel o que tenho em mim.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Engano

Desculpa, aqui não há poesia.
Isso com certeza é um engano.
Pois minha rara alegria
não se mostra em outros planos;
não se permite filmar.

Por favor, bata em outra porta.
Pois pode ser que a sorte te abra.
Se é que isso tanto te importa.
Mas pode ir embora dessa casa,
pois não posso te ajudar.

E, estranho, vou logo te avisando:
não a queira como companhia,
pois ela vai te enfeitiçando,
devagar, com a sua magia,
pra depois te abandonar.

(...)

Ei, poesia, pode vir.
Para de se esconder.
Ele já foi embora.
Ninguém vai me levar você.
Não agora.
Nem depois.
Pois só temos um ao outro.
Somos só nós dois
perdidos no vazio das horas.